falando para o blog Imaginário
Há tempos vinha querendo fazer uma entrevista com Urhacy Faustino, mas sempre me faltava coragem, por temer que ele não aceitasse. E qual foi minha alegria quando ele, de pronto, topou.
Urha é especial, um ser camaleônico, na acepção mais bela da palavra, e ao mesmo tempo coerente. É de uma espontaneidade que encanta, tal a emoção que transborda em sua fala autêntica e apaixonada.
Sem máscaras nem ornamentos: transparente, claro, iluminado. Totalmente desnudado.
Sua fala é ardente, sincera, contagiante. Típica dos românticos.
Este é Urhacy Faustino! Um colibri que nos convida a mergulhar na magia de seu mundo, acompanhando-o em seus vôos rasantes.
Márcia – Você nasceu em Cândido Mota , cidade pequena no Estado de São Paulo. Foi difícil sair de lá? Como, quando e por quê surgiu esta decisão?
Urha – Bom, minha cidade é muito pequena para mim… É daquele tipo de cidade que na placa que se lê “bem-vindo” logo atrás se lê “volte sempre”… ou seja, uma cidade mínima… deixar a família, por mais desgarrada que seja a ovelha, é sempre um problema… eu sou feito elefante novo que precisa de cuidados da manada por longos anos… para mim, o mais trágico foi sair debaixo das asas de minha mãe, mas o mundo me acenava, me chamava e eu não podia dizer não.
Márcia – Em que momento surgiu Leila Míccolis em sua vida? (Não posso deixar de perguntar…, acho que todo leitor de Blocos tem curiosidade em saber… rss…)
Urha – Conheci Leila em um Congresso de Literatura em Batatais, interior de São Paulo (setembro de 1987). Meu livro Os lírios Negros tinha acabado de sair… foi minha primeira aventura no mundo dos grandes poetas… Como tinha gente fantástica neste congresso!!! Eu e ela ficamos amigos logo no primeiro dia de congresso… eu andava pelas ruas de Batatais com a boca pintada de negro, coisa de adolescente rebelde que gosta de protestar contra tudo… Leila me emprestava seu brilho sabor morango para eu passar sobre o cajal negro… fiquei conhecido no congresso como o Boca Negra (apelido que minha amiga e parceira de livro Claudia Pacce me colocou). Algum tempo depois Leila me presenteou com um poema lindo sobre nosso encontro: “Teu brilho sabor morango/ me faz querer provar teus rangos/ naturais,/ teus chás,/ e mais o que pintar rapaz:/ todos os atos passionais/ como os passos de um tango”./ Leila Miccolis, 23/10/87.
Márcia – Maricá: paraíso ou pesadelo? rss… Fale um pouco do projeto de sua casa em Maricá; sei que foi você que a projetou, não é? .
Urha – Paraíso, lógico!!! Eu amo Maricá, precisamente meu pequeno reino: trancado dentro dos portões de minha casa… Eu nasci no campo, quando saí de casa fui direto para São Paulo, depois para o Rio, onde cursei a faculdade de Teatro (Uni-Rio). Chegou um momento em que eu precisava de verde e de animais novamente. Maricá surgiu em nossas vidas pela minha necessidade de acordar com galos cantando… O projeto da minha casa é meu, sim… Eu peguei uma estrutura que estava abandonada há dez anos e criei em cima… Aqui as paredes têm rodas, porque eu não faço exatamente um projeto em papel, é mental… e assim as coisas ganham formas… Também os jardins… eu amo plantas! Enfim, falar da minha casa é como mãe babando cria.
Márcia – Vi as fotos do Rancho Blocos em seu orkut, com criação de abelhas. São duas as espécies?
Urha – São várias: mandaçaias, uruçu-scutellaris, uruçu ruffiventris, jataí, iraí, bicolor, manduri etc, todas sem ferrão. São extremamente dóceis. Estas abelhas são conhecidas como abelhas indígenas, produzem mel de altíssima qualidade e são as maiores polinizadoras da natureza, algo em torno de 80% da polinização das florestas são feitos por estas abelhas. É um hobby mágico.
Márcia – E as orquídeas? Sei que elas também são sua paixão… É você quem cuida pessoalmente de todas as plantas aí do Rancho?
Urha – Como disse anteriormente eu amo plantas e animais… As orquídeas são outro hobby maravilhoso e caro. Eu tenho uma boa coleção de plantas nativas ou primárias… As híbridas são lindas, mas são crias do homem… eu amo a cria divina. Cuido de quase tudo um pouco, replanto as orquídeas, faço a polinização, mudas etc… mas não dou conta de tudo, então todo o trabalho do rancho é feito por mim, Mônica e um funcionário, que é tão apegado aos bichos e as plantas como nós mesmos… Leila dá uma força com os gatos. O que quero dizer é que todo mundo coloca a mão na terra e na faxina dos canis, gatis e da casa, claro. Não gosto de ter empregada em casa, nunca gostei. Prefiro fazer. Limpar casa, lavar roupa, fazer comida, enfim tudo é higiene mental das mais saudáveis.
Márcia – Sei que você e Leila têm muitos animais; como é sua convivência diária com eles?
Urha – Meio que antecipei a resposta na pergunta acima, mas é quase que inerente a mim… É comum dar banho nos cães às duas da manhã… É comum pentear os pelos todos os dias, eu acordo com Tamma, minha shihtzu do lado… Os animais fazem parte de minha vida, do meu dia-a-dia desde criança.
Márcia – Sei também que você é um cozinheiro de mão cheia. No site da Leila há receitas de sopas com a sua “assinatura”. Quais são os pratos prediletos do “gourmet” e do “maïtre” Urhacy Faustino?
Urha – Eu sou um eterno curioso. Gosto de tudo o que pode se chamar de trabalho manual… cozinhar é uma terapia alquímica… Não sou de seguir receitas, gosto de experimentar, de misturar, de arriscar… No dia a dia eu sou muito simples e prático: como carne com arroz e purê de batata… como pouquíssimo legume… sou carnívoro assumido… Completo minha alimentação com frutas (que amo) e leite. Mas adoro fazer tudo, desde massas a frutos do mar… como Leila não come carne eu aprendi a fazer glúten em casa e a fazer legumes de diversas maneiras… eu me viro bem pilotando fogão.
Márcia – E agora me dirijo ao escritor Urhacy Faustino: como se dá o processo criativo de seu ser escritor?
Urha – De acordo com a lua… Eu não sou disciplinado, não escrevo todo dia… Escrevo quando tenho uma inquietude, quando sou tomado por uma vontade de criar. Para você ter uma idéia, estou escrevendo meu livro sobre vampiros há quatro anos… Há períodos em que escrevo uns dois meses sem parar. Depois paro um tempão… É como se eu me esvaziasse e precisasse me reabastecer… sem pressa, sem medo, sem sofrimento…Márcia – Quando você descobriu que queria dedicar-se à literatura?
Urha – Eu escolhi ser artista desde criança… Não sabia ao certo o que ia fazer… Era comum eu vestir roupas de meus pais e ficar horas de frente ao espelho… Era comum eu passar a noite inteira escrevendo um poema, pintando um quadro, moldando na argila… Nem sei se posso dizer que é uma escolha… vejo mais como algo que nasceu comigo: a minha maravilhosa cruz que carrego sem sentir.
“Muitos ventos sopram.
Dentro e fora de mim uivamlobos que não sou.”
Márcia – Esse seu poema parece apontar para os diversos seres que o habitam… Fale um pouco sobre seus anjos, vampiros e lobos, Urha.
Urha – Para o mundo eu sou uma pessoa comum, um único caráter, uma única personalidade, mas para mim eu sou múltiplo: coisa de geminiano, com ascendente em sagitário… Muitas pessoas convivem dentro de mim… Há nisso uma solidão propositada, uma certa preferência aos meus seres noturnos: o lobo na pele do cordeiro… o vampiro vestido de anjo ou o anjo metamorfoseado de vampiro… Eu gosto das minhas viagens mentais… viagens sóbrias… Não preciso de nada para sair de mim… eu entro e saio quando quero em perfeito controle… (que fique claro eu odeio drogas, as minhas “viagens” são uma metáfora de um mundo paralelo, só meu. Impenetrável, que às vezes personifico através da literatura quase que num gesto de doação, porque, em geral, eu sou egoísta com o meu mundo, que é só meu, me pertence e só é importante para mim).
Márcia – Você tem onze livros publicados, não? Dá para falar um pouco de cada um deles, principalmente de “Colibri deflora os Chats”?
Urha – Que preguiça!!! Brincadeira (risos)… ‘Oslírios negros’ brotou do lodo, da lama e da minha necessidade de ser escritor, eu tinha dezesseis anos quando o escrevi… ‘Nus anos 80′surgiu da minha necessidade de dizer que eu tenho uma relação mágica com meu corpo, com o sexo, com a libido. Rita Lee fez o prefácio, que foi uma glória para o fã ardoroso e o jovem menino escritor – eu tinha 20 anos… Foi ótimo me aventurar pelo mundo infanto-juvenil com ‘Bom dia sol e boa noite lua’ e “O pulo do Sapo”, ambos em parceria, o primeiro com Sandra Mara Amaral e o segundo com Claudia Pacce. Depois, os demais foram conseqüência do ofício e cada um com uma importância diferente… Tudo o que escrevo sou eu, como te disse antes, há uma certa doação do que me pertence… Eu escrevo o que gosto, o que sou, o que acredito, o que quero, o que queria ler… Existe, e não vou mentir sobre isso, uma coisa egoísta na minha literatura: eu escrevo antes de tudo para mim, não importa se vão ler, se vão gostar. É a minha verdade. Não escrevo com finalidade de público-alvo… Claro que é um sonho quando um livro faz sucesso, mas não é o meu objetivo primeiro. Sobre o Colibri, novamente sou eu, louco, livre, leve, solto, sexual, erótico, lúdico, pornográfico (por que mascarar??? eu gosto, sou réu confesso de minha vida, odeio meias verdades… odeio meias mentiras… e em colibri, eu me usei para falar de algo que todo mundo faz: trepar, fazer sexo, foder ou fazer amor). Com a internet todas estas fantasias que todo mundo tem podem ser vividas, porque agora o mundo tem uma forma de preservar sua identidade: usa-se nicknames… Quem é colibri??? quem é hhh, quem é tedblue, a princípio sou eu… mas somos toda a raça humana… a diferença é que eu confesso que sou assim e grande maioria prefere sua dupla personalidade através de seus lindos e ultra-secretos nicks.Márcia – Quais são seus escritores preferidos?
Urha – Leila Míccolis, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Glauco Mattoso, Nicolas Behr, ou seja: geração de 70 na poesia — eu amo!!! No romance: Lygia Fagundes Telles, inigualável… Mas amo também Agatha Christie, Jk Rowling, Ane Ricce… Sheakespeare, Emily Bronté. Adoro muita coisa da poesia inglesa, tudo o que Bashô escreveu e costumo dizer que Rainer Maria Rilke é o deus de Praga e meu (“todo anjo é terrivel…” eu também sou!).
Márcia – Em que instante de sua vida surgiu o artista plástico? Ele é anterior ou posterior ao escritor?
Urha – Tudo nasceu comigo e é uno… desde criança escrevo, desde criança pinto… mas me aprimorei muito em pintura na Faculdade de Teatro: fiz duas cadeiras de artes plásticas durante o curso e foram essenciais para minha pintura. Porque eu descobri uma linha, um caminho… Atualmente eu trabalho junto com Mônica Banderas (Atelier UM). Eu e Mônica temos uma sintonia muito grande na pintura… A gente sempre fez exposição junto, mas no novo trabalho surgiu uma proposta arriscada que estamos desenvolvendo: a pintura com assinatura conjunta, ou seja estamos fazendo uma série de quadros pintados a quatro mãos… um começa e o outro conclui, ou simplesmente trabalhamos em conjunto na mesma tela até o final. E o que fazemos é um grande desafio, porque não fazemos esboço, não planejamos o quadro antes de realizá-lo (como nunca esboço nada antes), pegamos a tela branca e trabalhamos sem saber o resultado final… Tem sido um grande exercício perceber o traço, as cores e continuá-los de modo que permaneçam harmônicos e dentro do mesmo estilo… é como invadir a cabeça do outro e descobrir o que ele está pensando… e é um exercício em silêncio, apenas de sintonia e observação, pois não falamos nada, não conduzimos um ao outro.
Márcia – Algum pintor o influenciou mais de perto? Como acontece o processo de criação na pintura?Urha – Juan Miró. Sou obcecado na pintura de Miró. As cores, o elemento lúdico, a pintura parecida com arte de criança, mas com uma técnica fabulosa… a repetição de elementos… a marca dele em todos os quadros… É impossível estar diante de um quadro dele e não saber que é dele. Como na literatura, algo me toma e, como um grito que precisa sair, explode. Já passei dezoito horas pintando sem comer, sem ir ao banheiro, sem beber água…
Márcia – Quais são os artistas plásticos de sua preferência?
Urha – Miró, Kandinsky, Paul Klee
Márcia – Urha, gostaria de publicar suas pinturas, ilustrando esta entrevista. Isto é possível?
Urha – Sim. Use e abuse. Permissão concedida, mas coloque em nota: pinturas cedidas para esta entrevista, sendo proibida reprodução em qualquer outro site ou veículo. Odeiooo minhas coisas passeando sem minha autorização.
Márcia – Você tem Bacharelado em Artes Cênicas na UniRio. Pretende atuar como ator? Acha que daria para conciliar o palco ou a televisão com a pintura, a literatura e o Rancho Blocos?
Urha – Daria sim para conciliar tudo… mas eu não gosto de teatro para atuar… Só faria uma peça que Leila escreveu sobre Rimbaud e Verlaine, porque amo os dois… Faria cinema, que é o que amo… mas também não corro atrás… Fiz bacharelado em artes cênicas por prazer e não pensando em seguir carreira. Precisava ter diploma, então fiz aquilo que me deu prazer em cursar. Atualmente penso em Mestrado em Literatura, mas não é nada certo e não estranhe se eu vier a fazer outro bacharelado em uma área totalmente oposta ao que faço.
Márcia – E como nasceu a idéia da criação do Portal Blocos Online? Em que sentido ele modificou sua vida?
Urha – A internet entrou em nossa vida pela porta da frente, desde que surgiu no Brasil… eu e Leila fazíamos o Blocos impresso, então vimos a oportunidade de aumentar os leitores do jornal com a internet. E o objetivo sempre foi o mesmo: divulgar literatura contemporânea. O Blocos Online nunca foi um projeto para divulgar Leila Miccolis e Urhacy Faustino (detesto auto-promoção) sempre foi focado em registrar a nova literatura, divulgar os novos poetas, porque nunca há espaço na grande imprensa para quem está surgindo… Esta falta de espaço para a nova literatura é tão real que Blocos OnLine ganhou uma proporção gigantesca em pouco tempo. Hoje é um portal enorme e super respeitado. Atualmente Blocos Online só é possivel através de um esforço enorme da Leila, que é incansável, e pelo apoio do Bradesco, porque a gente vive em função do portal. Blocos Online invadiu nossa vida, hoje é meio difícil saber onde ele termina e começa nossa vida pessoal. Dá para fazer tudo, até para ser feliz, mas Blocos Online tem que estar em primeiro plano (se acontece algo com Blocos Online tem que parar tudo para resolver o problema). Também só dá para fazer outras coisas depois da atualização diária e depois de ler e responder em média 400 e-mails diários.
Márcia – Última pergunta: para você vida e obra se fundem? Quais os próximos projetos para ambas?
Urha – Para mim é tudo uma coisa só: o rural e o urbano, o simples e o sofisticado, eu e o que escrevo… Para minha vida pretendo continuar na busca de me conhecer melhor que é o que sempre fiz… Quanto ao trabalho, continuar com Blocos ad immortalitatem. Preciso também terminar meu romance: Vampiros do Brasil, plantar flores, criar animais, comer, dormir, falar muito, ouvir muito, estar e defender o direito de ser a criatura chata, egocêntrica, que beija, que ri, que chora, que acredita, que pensa, que doa, que brinca, que sonha, que tem medo, que tem fraquezas, que tem forças, que verga, que quebra, que junta, que corre, que pára, que (acima de tudo) vê a alma de quem entra no seu mundo e que atende pelo nome de urhacy faustino ou de urha, para os muito íntimos.
Márcia, que Deus te ilumine e muito obrigado pelo carinho.
Eu é que tenho que agradecer por tamanho carinho, Urha! Você já tem tanto o que fazer, projetos encantadores realizados e a serem realizados, e ainda assim fez esta pausa para me conceder o privilégio de te entrevistar.
E que Deus também continue a iluminar esse seu coração !
Entrevista concedida a Márcia Sanchez Luz em 11/02/2008