Aos 63 anos, Seu Antero projetava vida nova com a chegada da aposentadoria. Entre os planos, o ex-diretor administrativo reservava os dias para curtir a primeira neta, Carolina, prestes a completar um ano.
Mas, apesar da aparente tranquilidade que se anunciava, Antero Rodrigues tinha um compromisso pendente. Neste caso, consigo mesmo.
Aficionado por viagens, sempre teve dificuldade com a língua inglesa e, com o tempo livre, decidiu encarar o desafio de aprender um novo idioma.
Arrumou a mala, se despediu da família e partiu para Inglaterra, destino do intercâmbio de 40 dias que mudaria sua vida. “Me deu vontade de fazer intercâmbio por dois motivos: aprender inglês e, segundo, viver uma experiência em que aprendesse não apenas a língua, mas a me virar sozinho.”
Preparar o próprio café da manhã, andar pelas ruas de Londres e estar em contato com culturas de diferentes regiões do mundo foi suficiente para Seu Antero valorizar a si mesmo.
Em um momento de autoconhecimento, os primeiros dias de intercâmbio, talvez os mais difíceis da viagem, provocaram uma inesperada revolução na vida do recém-aposentado, no auge dos 60 anos. “Eu tinha muito contato com a minha neta, que na época ia completar um ano e era superapegado a ela. Então, na primeira semana, foi terrível. Eu me perguntava: ‘O que eu vim fazer aqui?’. Mas fui com a cara e a coragem, fiquei 40 dias e foi extremamente válido.”
Dias após desembarcar na capital inglesa, um episódio chamou a atenção do viajante brasileiro que ainda se adaptava à empreitada.
Durante passeio pelo centro de Londres, Seu Antero descobriu que a cantora Stacey Kent, jazzista americana da qual é grande admirador, se apresentaria em uma casa de shows nos últimos dias de intercâmbio. Oportunidade perfeita para coroar os 40 dias de viagem.
Naquele momento, no entanto, foi obrigado a lidar com o primeiro desafio do intercâmbio: a comunicação. “Eu tentava comprar ingresso e era muito difícil. A pessoa da bilheteria falava, e eu não entendia nada. Com muito esforço e com a boa vontade da pessoa que me atendeu, consegui comprar ingresso.”
O momento de frustração logo deu lugar a outros sentimentos, como a saudade. “Foi difícil lidar com a saudade da neta, que é a primeira e ainda era bem pequena. Mas foi um aprendizado que eu queria porque sempre tive sede de aprender”, conta.
Garantido o ingresso, Seu Antero daria início a uma nova jornada. Desta vez a pouco mais de 300 km de Londres, na histórica York, cidade ao norte da Inglaterra fundada na Idade Média.
No novo endereço, começariam as aulas do intercâmbio_antes mesmo de chegar à sala de aula, mais precisamente em um café na temporária vizinhança. “Eu sempre parava lá antes da aula, e tinha um grupo de pessoas idosas, provavelmente avós também. Na primeira semana, eu entrava e falava apenas ‘good morning’ e ficava por isso mesmo. Depois de algumas semanas, eles já queriam saber de onde eu vinha, e eu já conseguia me comunicar. De repente, o papo começou a rolar, e eles me ensinavam a maneira certa de falar. Quando fui ver, a aula já tinha começado antes mesmo de eu entrar na sala de aula. Era muito bacana porque, independentemente do aprendizado da escola, eu já estava aprendendo.”
Importância da diversidade
Em sala de aula, Seu Antero aprendeu, além das lições de inglês, a conviver com a diversidade: de culturas, perspectivas, realidades e, sobretudo, de gerações.
Mais velho da turma, conviveu com estudantes de diferentes faixas etárias: da adolescência à meia-idade. “Tinha gente do Oriente Médio, da Espanha, da França, da Suíça, da Rússia, vários países. E esse pessoal estava lá não só para aprender a língua, mas principalmente para conseguir trabalho”, lembra.
Em uma sala repleta de pessoas que buscavam recomeçar a vida na Inglaterra, ele se lembra de uma colega que, ao final do curso, conseguiu trabalho em uma padaria.
Para ele, ajudar os mais jovens foi a melhor forma de entrosamento com o grupo. “Foi a forma que encontrei para me integrar, de um jeito muito prazeroso, porque sentia como se fossem meus filhos e, ao mesmo tempo, aprendia.”
Apesar da idade avançada, ressalta que não sentia diferença na relação com os colegas. “Ninguém quer saber se você é velho ou se é novo. Você passa até a brincar com as pessoas por isso. Eu saía para almoçar com eles, à noite a gente ia pro pub, que não só se bebe, como dança também. A integração foi a melhor possível. E não sentia diferença por ser idoso, não. A gente estava no mesmo barco.”
Quebrando barreiras
Para Seu Antero, as diversidades sociais, culturais e econômicas do grupo serviram para igualar as relações. “Até o pessoal do Oriente Médio, que tem valores muito diferentes dos nossos, se igualavam, porque se despojavam daquela coisa de turbante e se entrosavam, queriam saber sobre o Brasil, e a gente conversava de igual pra igual.”
Legado do intercâmbio
Questionado sobre a lição mais importante dos 40 dias de intercâmbio, ele destaca duas conquistas: “A primeira coisa que mudou foi que passei a ser mais paciente. Eu vinha de um trabalho que costumava ser estressante e passei a ser mais paciente. Segunda questão, humildade, porque sempre vai haver pessoas em situação muito pior que você e passei a me sentir com mais vontade de ajudar. Coisas que não faria antes, ainda que não fosse um egoísta, mas passei a ter um espírito mais coletivo.”
O vovô de primeira viagem também reflete o legado que pode deixar para a neta. “Queria aprender algo novo e deixar um legado, um incentivo, para minha neta. Aprendi com o jovem como entender o jovem; eu tenho uma neta, e ela vai ser jovem. [Aprendi] como entender minha neta hoje e no futuro. E isso você só aprende convivendo com o diferente”, afirma.
Seu Antero deixa um recado para quem, assim como ele, um dia pensou em se aventurar em outro país_aos 60 e poucos anos. “Olha, eu não sei se você pode publicar o que vou te dizer, mas a dica é: tira a bunda do sofá e bota a cabeça pra funcionar. Até rimou.”
Retirado do site: https://catracalivre.com.br/educacao/a-historia-de-um-vovo-que-aos-63-resolveu-encarar-um-intercambio/